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302 
Ano: 2005  Vol. 9   Num. 1  - Jan/Mar - (6º) Print:
Seção:
Texto Text in English
O Ruído como Fator Estressante na Vida de Trabalhadores dos Setores de Serralheria e Marcenaria
The Noise as a Stress Factor in the Life of Blacksmith and Carpenter Workers
Author(s):
Karin Christine de Freitas Kasper*, Maria Valéria S. Goffi Gómez*, Vera Lúcia Zaher*.
Key words:
audiometria, estresse, ruído, perda auditiva. audiometry, stress, noise, hearing loss.
Resumo:

Introdução: O ruído além de causar perda auditiva, pode estar associado a sintomas extra-auditivos, como o estresse. Objetivo: Relacionar a possível perda auditiva ao grau de estresse. Método: O estudo foi desenvolvido com 21 trabalhadores nas funções de serralheiro/marceneiro com idade entre 31 e 67 anos. Foi realizada audiometria tonal e aplicado um questionário sobre estresse. As perdas auditivas foram classificadas segundo Costa, 1988 e o questionário de estresse foi analisado e comparado com o grau de perda auditiva. Resultados: 48% da população avaliada apresenta algum grau de perda auditiva. Conclusão: Não houve correlação entre o grau de perda auditiva e o grau de estresse.

Abstract:

Introduction: Stress is one of the non-auditory symptoms induced by noise exposure. Objective: To correlate the possible hearing loss with the degree of the stress. Method: This prospective study was conducted with 21 workers in the blacksmiths and carpenters of a hospital. The ages ranged from 31 to 67 years. Pure-tone audiometry was performed and a stress questionnaire was applied. Hearing loss was classified according Costa, 1988 and a stress questionnaire was analyzed and compared with the degree of hearing loss. Results: Forty-eight percent of the evaluated population presented some hearing loss. Conclusion: There was no statistical correlation between the hearing loss and the degree of stress.

INTRODUÇÃO

O ruído não prejudica somente a audição, apesar de seus efeitos serem percebidos e bem caracterizados nesse sentido. O ruído também pode causar zumbido, cefaléia, plenitude auricular, tontura, distúrbios gástricos (gastrite e úlcera gastroduodenal), alterações transitórias na pressão arterial, estresse, distúrbio da visão, atenção e memória, do sono e do humor. Os distúrbios atribuídos à exposição vão depender da freqüência, intensidade, duração e o ritmo do ruído, assim como do tempo de exposição e da suscetibilidade individual. Sons contínuos são menos traumatizantes que os sons interrompidos, pois apesar do primeiro impacto sonoro ser recebido sem proteção, os demais são atenuados pelo mecanismo de proteção.

No entanto, em ruídos interrompidos, os impactos não têm atenuação, já que entre um som e outro há tempo para o mecanismo de proteção relaxar-se. A perda ocupacional ou perda auditiva induzida por ruído (PAIR) é um distúrbio auditivo que afeta muitos trabalhadores expostos a ambientes de trabalho ruidosos e é perfeitamente passível de prevenção.

Seu simples diagn óstico já significa o resultado da falência de todo um sistema preventivo que deveria estar colocado à disposi- ção do trabalhador. Embora seja passível de prevenção, as regras para o controle de ruído industrial continuam não sendo obedecidas. Assim, o trabalhador pode apresentar alterações importantes que interferem na qualidade de vida, como a incapacidade auditiva e a dificuldade de percepção da fala em ambientes ruidosos (televisão, rádio, cinema, teatro), ou, ainda, de sinais sonoros de alerta, música e sons ambientais (CURADO et al, 2001). FERRAZ (1998) referiu em seu estudo que as alterações na compreensão da fala que podem ocorrer na PAIR não devem ser vistas apenas como sintomas auditivos, pois a comunicação é primordial nas atividades sociais, profissionais e afetivas, podendo a alteração na comunicação oral comprometer seriamente a qualidade de vida dos indivíduos. SELIGMAN (1993) descreveu esse comprometimento na qualidade de vida dos indivíduos em relação aos fatores não auditivos ou psicossociais, e os mais freqüentemente associados ao ruído foram: agitação, ansiedade, tensão, fadiga, irritabilidade, labilidade humoral, estresse, isolamento, solidão, tristeza, depressão e auto-imagem negativa. Esses fatores podem aparecer isolados ou associados.

A presença de diversos desses sintomas leva a um diagnóstico de estresse, que compromete de formas diversas e individuais a qualidade de vida dos indivíduos. Na física, estresse é uma força imposta a um material e tensão é a reação deste material ao estresse.

Entretanto, quando se tenta transferir os conhecimentos da física para a patologia, não fica claro se o estresse se refere às forças impostas ao indivíduo pelo mundo externo (estímulos) ou reações do indivíduo a estas forças (respostas).

Na verdade, quando o termo estresse é aplicado a organismos vivos ele diz respeito a um mecanismo que resulta da interação indivíduo-ambiente e que tem como principal função promover no indivíduo recursos adaptativos (PORTNOI & GLINA, 2002). Esses recursos são observados diante do que chamamos de estressores, os agentes causadores de estresse, que podem ser de origem biológica, psicológica (estressores internos), social e/ou ambiental (estressores externos). Portanto para que algo se torne um estressor é necessário que fatos e/ou situações sejam avaliados como tal e que representem mudanças na vida dos indivíduos de forma a envolver esforços de adaptação (PORTNOI & GLINA, 2002). As reações ou respostas de estresse (adaptação) se constituem em alterações e/ou sintomas de origem orgâ- nica, psicológica e social que podem ser bastante desconfortáveis.

Fatores como intensidade, freqüência e duração dos estressores assim como habilidades e susceptibilidade individual para enfrentá-los são essenciais nas características das manifestações resultantes (PORTNOI & GLINA, 2002). As reações derivadas diretamente do processo fisiológico de estresse podem repercutir no aparecimento e manutenção de doenças como:

diminuição ou exagero da resposta imune, hipo ou hiper atividade endócrina, alteração do equilíbrio do controle autonômico, alteração dos padrões de sono e alterações das funções neurotransmissoras, neuromoduladoras e neuroendócrinas do cérebro. Experimentos em laboratório comprovaram que o excesso de barulho altera o tamanho de várias glândulas endócrinas, altera o ritmo respiratório e origina variações na pressão sanguínea. Também foram constatadas variações no ritmo cardíaco e dilatação de pupilas. Entre os efeitos secundários e colaterais foram observados: aumento da irritabilidade, ansiedade, náuseas, insônia, fadiga e cansaço, além da perda de apetite, diminuição da atividade sexual e o surgimento de estados pré-neuróticos (SANTOS et al., 1992). De qualquer forma, apesar das diversas pesquisas e diferentes manifestações atribuídas ao estresse, não há um consenso na compreensão do que seja estresse e nem da relação entre o estresse e o ruído. Alguns trabalhos mostram alguns dados sobre diferentes populações expostas ao ruído ocupacional. MANIGLIA E CARMO (1998) avaliaram a audição de 15 trabalhadores do setor de marcenaria da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto expostos a ruído que variava de 80 a 110 dB. Verificaram a incidência de 20% de alterações de audição, classificados como grau I (Merluzzi) e constataram a necessidade de programas de prevenção para a preservação da saúde dos trabalhadores. MIRANDA et al. (1998) avaliaram a prevalência de perda auditiva induzida pelo ruído em trabalhadores de empresas industriais de nove diferentes ramos de atividade da região metropolitana de Salvador (BA). O trabalho foi realizado a partir de dados audiométricos referentes a 7925 trabalhadores de 44 empresas.

Todos os trabalhadores avaliados foram submetidos a pelo menos um exame audiométrico obedecendo às especificações da legislação trabalhista em vigor, a NR-7 da Portaria 3214/78.

As perdas auditivas foram classificadas segundo critérios diagnósticos de diferenciação entre perdas do tipo neurossensorial, condutiva e mista amplamente estabelecidos pela clínica audiológica, e Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR). Os limiares auditivos foram considerados normais até 25 dB. Além do tipo de perda, os traçados audiométricos foram classificados em relação ao grau da perda (MERLUZZI et al, 1989). A prevalência de perda auditiva foi de 45.9% na população estudada. Em relação à PAIR, somando as perdas bilaterais e unilaterais, observou-se uma prevalência de 35.7%. Chamou atenção dos autores a presença de PAIR unilateral em 18% dos trabalhadores avaliados.

Este estudo permitiu delinear um quadro extremamente alarmante, apontando a importância da implementação, por parte das empresas, de Programas de Conservação Auditiva. ALMEIDA et al.

(2000) analisaram as características clínicas e audiométricas da disacusia sensório-neural ocupacional por ruído, de acordo com a faixa etária e o tempo de exposição em anos.

Foram estudados retrospectivamente 222 pacientes portadores de disacusia sensórioneural ocupacional correlacionando-se as queixas clínicas auditivas, alterações de limiar audiométrico nas freqüências de 250Hz a 8.000Hz, índices de discriminação vocal com a faixa etária e o tempo de exposição.

Como grupo controle, utilizou-se os limiares audiométricos de uma população de mesma faixa etária, sem antecedentes mórbidos de doença auditiva. O grupo foi dividido em subgrupos, tendo-se analisado três décadas de exposição.

Verificaram que a queixa clínica de disacusia aumenta de acordo com a faixa etária e o tempo de exposição, enquanto que a freqüência da queixa tinnitus mantém-se constante.

Os limiares audiométricos na segunda década de exposição apresentam variações que dependem da faixa etária analisada. As várias curvas audiométricas realizadas são paralelas entre si, mas não horizontais, sendo que os piores limiares foram encontrados nas freqüências agudas de 3.000Hz a 8.000Hz.

A discriminação vocal também se mostrou pior de acordo com o aumento da faixa etária e o tempo de exposição. Em vista de todas as manifestações provocadas pelo estresse e seu relacionamento com a exposição a ruídos intensos, este trabalho teve como objetivo analisar a influência da exposição diária a níveis de ruído intensos e da perda auditiva na vida social de trabalhadores dos setores de serralheria e marcenaria. CASUÍSTICA E MÉTODOS O presente estudo teve aprovação da Comissão Ética em Pesquisa e foi desenvolvido no Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas, na cidade de São Paulo, com trabalhadores empregados nas funções de serralheiro ou marceneiro do referido hospital. A Tabela 1 mostra os dados demográficos da população estudada: idade, função e tempo de exposição.

Dos 21 trabalhadores estudados, 10 exerciam a função de serralheiro e 11 a de marceneiro, com idade variando entre 31 e 67 anos e com média de 44,6 anos. O tempo mínimo na função era de 1 ano e o máximo de 50 anos, com média de 19,95 anos.

Os critérios de seleção da amostra foram:

1) Exposição a ruído superior a 85 dBNA;

2) Repouso Auditivo de 14 horas para realização da audiometria;

3) Leitura e assinatura do termo de consentimento (Anexo I);

4) Trabalhar na mesma função no mínimo por 1 ano;

5) Idade máxima de 60 anos;

6) Ausência de perda auditiva condutiva, de antecedentes de doenças otológicas prévias, uni ou bilaterais;

7) Ausência de perda auditiva profunda unilateral e/ou bilateral. Os instrumentos utilizados no estudo foram a audiometria tonal liminar e o questionário de avaliação do grau de estresse (Anexo II). Todos os participantes foram convidados a participar do presente estudo por meio de uma carta convite e deveriam assinar um termo de consentimento pós-informado (Anexo I) caso concordassem com o mesmo.

A seguir, todos os participantes realizaram audiometria tonal, com avaliação da freqüências entre 250 e 8.000 kHz usando audiômetro SD 25 (Siemens), em cabina acústica. Foram coletados dados como função, tempo na função e idade. Um questionário sobre os efeitos do estresse na vida social do trabalhador, composto de 59 questões de múltipla escolha (COVOLAN, 1989), foi aplicado individualmente no próprio local de trabalho dos funcionários. A pontuação poderia variar entre 0 e 177 pontos, representando assim a variação do grau de estresse: quanto menor a pontuação, menor o grau de estresse e vice-versa.

Para compreender melhor os aspectos mais afetados pelo ruído, as questões foram divididas em psicossociais e somáticas. Os resultados das audiometrias foram classificados segundo COSTA (1988) e comparados à pontuação total obtida no questionário sobre estresse.

A classificação de Costa divide os traçados audiométricos de caordo com a via aérea de cada lado em grupos de 0 a 5 (Quadro 2). No grupo 0 enquadram-se os audiogramas cujas perdas não ultrapassam 25 dB em todas as freqüências ou em suas médias.

No grupo 5 ficam os traçados correspondentes a perdas não ocupacionais ou a artefatos de técnica. As perdas induzidas pelo ruído, que apresentam quedas características em 3.000 e 6.000 Hz são classificadas de 0 a 4. Tomam-se então duas médias aritméticas das perdas em decibéis. A primeira em 500, 1.000 e 2.000 Hz traduz a qualidade da discriminação auditiva em cabina acústica. A segunda média, em 3.000, 4.000 e 6.000 Hz caracteriza propriamente a perda auditiva induzida pelo ruído.

O comprometimento em 3.000 Hz e depois em 2.000 Hz traduz a progressão das lesões em termos de inteligibilidade em condições do dia-a-dia (COSTA, 1988). Análise Estatística Foi realizado estudo estatístico dos resultados, pela análise de correlação das variáveis, no software MINITAB. Os dados encontrados foram analisados segundo o coeficiente de correlação de Pearson usando p<0,05 conforme sugerido em estudos biológicos. O método de correlação utilizado foi o de coeficiente de correlação de Spearman r (não-paramétrico) e o coeficiente de correlação de Pearson.

Para isso, os dados foram ranqueados e os resultados dos coeficientes levam à inferência de duas hipóteses:

- Hipótese nula: Não há correlação entre as variáveis

- Hipótese alternativa: Existe correlação entre as variáveis As regras de decisão para as hipóteses acima são:

- Se o valor de p for maior que 0,05, não rejeitamos a hipótese nula, ou seja, não há correlação entre as variáveis.

- Se o valor de p for menor que 0,05, rejeitamos a hipótese nula, ou seja, há correlação entre as variáveis.

- Se o coeficiente de correlação de Pearson se aproximar de +1 ou -1, existe correlação entre as variáveis, porém quando esse coeficiente se aproxima de zero, não existe correlação. Usualmente, se o coeficiente de correlação for acima de 0,30, considera-se que há grande potencial de correlação (não significa que exista a correlação), assim como, se este valor for acima de 0,50, aí então pode-se considerar a existência de correlação.

RESULTADOS

Os dados obtidos com a audiometria de cada trabalhador estão representados nas segunda e terceira colunas da Tabela 2.

Na presença de perda auditiva unilateral, o indivíduo foi considerado como portador de perda auditiva; no caso de perdas auditivas de diferentes graus para o mesmo indivíduo foi selecionado o pior grau de perda para ser classificada.

Essa classificação para melhor visualização está exposta na quarta coluna da Tabela 2. Não foram encontradas classificações 3 e 4 entre nossos sujeitos e houve somente um indivíduo com grau 5, característica de outras perdas que não a induzida por ruído. O Gráfico 1 ilustra as características das perdas auditivas da população estudada em que se verifica que dentro da população com perda auditiva (48% da amostra), a maioria apresenta perda classificada como grau 1, segundo COSTA (1988). No Gráfico 2 é mostrado o número de indivíduos e o respectivo grau de perda auditiva encontrado com relação a faixa etária de cada trabalhador, onde se observa predomínio de indivíduos com perda auditiva com idade variando entre 41 e 50 anos. No Gráfico 3 o grau da perda auditiva está relacionado com a função do indivíduo, e a perda auditiva de grau 1 foi encontrada mais freqüentemente entre os marceneiros e a de grau 2 entre os serralheiros. O Gráfico 4 relaciona o tempo, em anos, em que cada funcionário está na respectiva função com o grau de perda auditiva encontrado.

Pode-se observar que o número de indivíduos normais é maior em relação aos que apresentam algum grau de perda auditiva, independente do tempo de trabalho. Quanto as respostas do questionário sobre estresse, principal objetivo deste trabalho, a soma total dos pontos foi comparada com o tempo na função de cada trabalhador (Gráfico 5) e com o grau da perda auditiva (Gráfico 6). Independente do tempo de trabalho, o maior número de respostas variou entre 0 e 20 pontos e para os diferentes graus de acuidade auditiva (graus 0,1,2 e 5), a maioria das respostas também variou de 0 a 20 pontos. Conforme mostra a Tabela 3, a pontuação total do questionário foi dividida em duas áreas, reações psicossociais e reações somáticas.

O maior número de respostas foi dado às reações psicossociais, porém não houve correlação significante entre cada área e a perda auditiva encontrada (p = 0,866 e p = 0,202 respectivamente). O questionário poderia chegar a uma pontuação máxima de 177 pontos por pessoa, e maior pontuação foi de 64 pontos (Tabela 3). Da soma total, dos pontos obtidos por todos os trabalhadores em todas as questões, 72.4% foi dado para a alternativa "nunca", 21,2% para a alternativa "poucas vezes", 3,7% para "freqüentemente" e 2,7% para "sempre".

Análise Estatística dos Resultados

Foram estudadas as correlações entre função, idade, tempo na função, grau da perda, pontuação total do questionário e pontuação dividida em áreas (Tabela 4 e 5). Conforme ilustrado na tabela acima, podemos observar que não houve correlação entre as variáveis. Entretanto, podemos dizer que a correlação é potencialmente significante entre a pontuação total e tempo na função (0,630 > 0,30) e entre idade e pontuação total (0,517 > 0,30). Não houve correlação entre essas variáveis. Cada resposta isoladamente foi correlacionada com as variá- veis: idade, tempo na função, função e perda auditiva. A seguir serão mencionadas apenas as correlações estatisticamente significantes. As questões podem ser visualizadas no Anexo II. Correlação entre perda auditiva e a questão 46 do questionário ('Tenho a boca seca'): Correlação de Pearson: 0,438 P-Value: 0,047 Houve correlação entre as variáveis, perda auditiva e ter boca seca (P-Value < 0,05). Correlação entre idade e a questão 9 do questionário ('Tenho pesadelos que provocam ansiedade'): Correlação de Pearson: 0,495 P-Value: 0,023 Houve correlação entre as variáveis, idade e pensamentos que provocam ansiedade (P-Value < 0,05). Correlação entre idade e a questão 34 do questioná- rio ('Sinto depressão'): Correlação de Pearson: 0,439 P-Value: 0,046 Houve correlação entre as variáveis, idade e depressão (P-Value < 0,05). Correlação entre tempo na função e a questão 37 do questionário ('Sinto os olhos lacrimejantes e a visão embaçada'): Correlação de Pearson: 0,475 P-Value: 0,030 Houve correlação entre as variáveis, tempo na função e sentir os olhos lacrimejantes e ter a visão embaçada (P-Value < 0,05).























DISCUSSÃO

O questionário utilizado foi proposto inicialmente para avaliar as condições de estresse de um grupo de psicólogos, que naturalmente apresentavam um grau de instrução mais elevado do que a população avaliada no presente estudo.

Partindo do princípio que esse questioná- rio possa apresentar palavras e expressões que não fazem parte do conhecimento da população estudada, algumas respostas obtidas podem ser questionadas.

Para que os indivíduos pudessem estar à vontade para responder as questões sem se intimidar com a presença do pesquisador, o questionário foi entregue aos trabalhadores para ser respondido individualmente e a pesquisadora presente no local colocou-se à disposição para responder a quaisquer dúvidas.

Poucos indivíduos recorreram à pesquisadora para que o significado de algumas palavras ou expressões fossem esclarecidos. Analisando as informações solicitadas por alguns trabalhadores, pôde-se observar que esses e outros questionamentos estavam presentes em outros trabalhadores, que por motivos desconhecidos tiveram receio de pedir alguma explicação para melhor responder ao questionário. Isso levanta dúvida quanto à fidedignidade dos resultados, por não poder ser avaliado se a maioria das respostas dadas foi "nunca" por ser verdadeira, por desconhecimento do que estava sendo investigado ou qualquer outro motivo.

Em vista disso, pode-se inferir que o instrumento utilizado para avaliar o grau de estresse de trabalhadores de marcenaria e serralharia não foi adequado por sua complexidade. Não houve correlação significante entre a pontua- ção obtida com o questionário sobre estresse e a perda auditiva, além de outras correlações que também não tiveram significância. Algumas questões isoladamente apresentaram correla ção estatisticamente significante.

A questão 46 apresentou correlação significante com a perda auditiva, as questões 9 e 34 com a idade e a questão 37 com o tempo de trabalho.

A correlação entre perda auditiva e boca seca pode estar relacionada a alguma situação de estresse encontrada na vida do indivíduo, porém foi uma característica que apareceu isoladamente como tendo relação com a perda auditiva e não pode ser considerada como relevante diante de tantas outras questões abordadas que não foram relacionadas à perda auditiva. A correlação entre idade e pensamentos que provocam ansiedade, pode estar relacionada com o estresse que pode ser conseqüência da preocupação com o futuro do indivíduo e de sua família, já que indivíduos com mais idade têm pensamentos que provocam ansiedade mais freqüentemente que indivíduos mais novos. A correlação entre idade e depressão pode estar associada à expectativa futura da vida do indivíduo, o que pode levar a um certo grau de estresse. A correlação entre as variáveis tempo na função e sentir os olhos lacrimejantes e ter a visão embaçada pode decorrer do tempo de exposição a sujeiras e poeiras, já que nessas funções esse contato é comum.

Por ter relação com o tempo de trabalho, podemos inferir que quanto maior a exposição a essas sujeiras e poeiras, maior o risco de apresentar algum problema nos olhos. Além de algumas questões isoladas, a pontuação total do questionário apresentou correlação potencialmente significante com idade e tempo na função, uma possibilidade de correlação estatisticamente significante.

Com isso pode-se inferir que o estresse pode estar correlacionado com a idade e com o tempo de trabalho numa mesma função. Buscando visualizar melhor as respostas obtidas no questionário, este foi dividido em Reações Psicossociais e Reações Somáticas, a fim de verificar se algumas dessas áreas apresentavam maior destaque.

Não houve correlação estatisticamente significante nessa análise. Analisando clinicamente, sem dados estatísticos, pôde-se verificar que o maior número de respostas "poucas vezes"

(resposta mais assinalada e que indicava alguma presença dos sintomas) foi na questão sobre dores nas costas (questão 23), que analisada isoladamente, pode estar relacionada apenas com as características dessas funções, de muitas vezes estar trabalhando em pé e não ter uma posição confortável para desenvolver suas tarefas. Pode-se, portanto, questionar se essa questão tem alguma relação com estresse propriamente dito, ou é apenas uma conseqüência da má postura e das características ergonômicas inadequadas de suas funções.

As respostas "freqüentemente" e "sempre" apareceram pouquíssimas vezes. Para "freqüentemente" nenhuma questão foi respondida por mais de duas pessoas e para a resposta "sempre" a questão que obteve maior número de pessoas (4) estava relacionada ao comportamento de evitar festas, jogos e reuniões sociais, que isoladamente também não caracteriza nenhuma ligação ao estresse. SANTOS et al. (1992) e SELIGMAN (1993) referiram que o ruído causa efeitos não auditivos como: aumento da irritabilidade, agitação, ansiedade, tensão, náuseas, insônia, labilidade humoral, estresse, isolamento, solidão, tristeza, depressão e auto-imagem negativa, fadiga e cansaço, além da perda de apetite, diminuição da atividade sexual e o surgimento de estados pré-neuróticos. Entretanto, o presente estudo não mostrou correlação significativa entre esses sintomas e o ruído.

É possível que o ruído a que esses trabalhadores estão expostos não seja suficiente para desencadear fatores não auditivos e psicossociais. Isso também pode ser inferido devido aos achados em relação às perdas auditivas encontradas nesta popula- ção, que foi de 48% da amostra, considerando as perdas unilaterais como um indivíduo portador de perda auditiva. Apenas 4 indivíduos possuíam perda auditiva com limiares superiores a 35 dB, em que, muitas vezes, nem mesmo os fatores auditivos podem ser percebidos. Como já citado anteriormente, os indivíduos foram considerados portadores de perda auditiva mesmo que essa fosse unilateral, a fim de facilitar a observação e a relação entre a perda auditiva e um possível quadro de estresse.

Porém, só como efeito ilustrativo vale ressaltar que este estudo apresentou perdas assimétricas em 14% dos indivíduos, semelhante ao encontrado por MIRANDA et al (1998), que encontraram 18% de PAIR unilateral. Sintomas comuns relacionados com a perda auditiva, como o zumbido (ALMEIDA et al., 2000), não foi mencionado de forma significativa neste estudo.

CONCLUSÃO

Após análise e discussão das respostas apresentadas, podemos concluir que, entre os trabalhadores dos setores de marcenaria e serralheria do Hospital das Clínicas da FMUSP:

- 48% (quarenta e oito) da população avaliada apresenta algum grau de perda auditiva;

- A perda auditiva ainda não é percebida e não causa desconforto social, não interferindo na qualidade de vida do indivíduo;

- Não houve correlação entre o grau de perda auditiva, segundo Costa (1988) e o grau de estresse, segundo COVOLAN (1989);

- Houve uma correlação potencialmente significante entre idade e a pontuação obtida no questionário e entre o tempo de função e a pontuação obtida no questionário.

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Instituição: Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Karin Christine de Freitas Kasper . R. Dias de Toledo, 261 apto 402 . Sao Paulo / SP . CEP: 04143-030 . Telefone: (11) 5078-7781/
8188-5903 . E-mail: karinkasper@ig.com.br
Artigo recebido em 20 de dezembro de 2004. Artigo aceito em 2 de fevereiro de 2005.
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