Title
Search
All Issues
167 
Ano: 2001  Vol. 5   Num. 4  - Out/Dez - (2º) Print:
Seção: Original Article
Versão em PDF PDF Português
Estomatite Aftóide Recorrente: Atualização no tratamento.
Author(s):
João Aragão Ximenes Filho*, Ivan Dieb Miziara**.
Key words:
estomatite aftosa, recidivas, tratamento clínico.
Resumo:

A estomatite aftóide recorrente é afecção relativamente comum, acometendo entre 10 a 30% da população em qualquer faixa etária, sendo mais freqüente entre as mulheres. Os mecanismos etiológicos dessa enfermidade ainda não foram totalmente elucidados. Evidências apontam para a participação do sistema imune, através da mediação dos linfócitos T e das interleucinas. Pode ser dividida em três formas de apresentação: úlceras aftosas menores, úlceras aftosas maiores e úlceras herpetiformes. Apesar de algumas variações, as lesões são avermelhadas e circunscritas e evoluem para necrose local. São acompanhadas de dor intensa, culminando no aparecimento de úlcera arredondada com limites bem definidos. Existem diferentes modalidades de tratamento apresentadas na literatura, sendo algumas delas comentadas neste trabalho.

Introdução

A estomatite aftóide recorrente (EAR) constitui-se numa enfermidade relativamente comum, que acomete entre 10 a 30% da população, em qualquer faixa etária, sendo mais freqüente entre as mulheres1.

Diversos fatores envolvidos na gênese dessa doença foram aventados, porém os mecanismos etiológicos ainda não foram totalmente elucidados. As evidências apontam para a participação do sistema imune, através da mediação dos linfócitos T, que culmina na lise das células epiteliais da mucosa oral2.

Pode ser dividida em três formas de apresentação: úlceras aftosas menores, a forma mais comum (cerca de 75 a 80% dos casos de EAR), onde as lesões são menores que 1 cm; úlceras aftosas maiores, forma mais severa, representam cerca de 10 a 15% dos casos, com lesões maiores que 1cm; e úlceras herpetiformes, forma menos comum (entre 5 a 10% dos pacientes com EAR), recebem este nome por apresentarem múltiplas lesões pequenas entre 1 e 2 mm, que tendem a confluir, formando grupamentos3.

Manifesta-se clinicamente com discreto desconforto local que dura de 24 a 48 horas e é considerado como período prodrômico. Logo após, surgem lesões avermelhadas e circunscritas. Segue-se necrose local, dor intensa, que culmina do aparecimento de úlcera arredondada com limites bem definidos.

A forma menor evolui por cerca de 7 a 10 dias sem deixar cicatriz. A forma maior leva mais tempo para cicatrizar e deixa seqüelas na mucosa. A forma herpetiforme apresenta tempo de cicatrização variável, na dependência no número e gravidade das lesões4.

Revisão da Literatura

O sucesso no tratamento da estomatite aftosa recorrente (EAR) é alcançado quando se consegue uma boa acurácia diagnóstica, identificação e controle dos fatores contribuintes, bem como diagnosticar e tratar doenças sistêmicas associadas4.

No entanto, ainda há grande desorientação sobre a melhor forma de tratamento para esta enfermidade1. O primeiro passo é um cuidadoso diagnóstico diferencial com outras doenças que causam lesões semelhantes5. Um segundo passo consiste em avaliar a severidade das lesões, principalmente o número, localização, tamanho e duração; e o grau de desconforto do paciente. Este último pode ser avaliado pela diminuição na ingestão alimentar e pela alteração na qualidade de vida. Diante de casos graves e refratários, deve-se reconsiderar o diagnóstico diferencial.

Existem diferentes modalidades de tratamento na literatura, sendo os mais utilizados os abaixo relacionados:

Conduta expectante

Estaria indicado quando o paciente apresenta lesões pequenas, pouco dolorosas, com episódios raros, devendo-se permitir que a doença siga seu curso natural5.

Tratamento das doenças associadas

Deve ser feito sempre que for identificada doença associada, em especial aquelas que possuem boa resposta ao tratamento específico como a retocolite ulcerativa, doença celíaca, doença de Crohn, doença de Behçet e a correção das deficiências nutricionais (ferro, folato, vitamina B12). No entanto, a utilização de dieta isenta de glúten e de vitaminas em todos os paciente com EAR não se mostrou eficaz5.

Agentes imunossupressores e imunomoduladores

Estas são as drogas mais efetivas no tratamento da EAR. O emprego destes medicamentos se justifica uma vez que vários autores têm mostrado a participação dos linfócitos T na gênese das lesões orais2-6. As mais utilizadas são: corticóides, ciclosporina, colchicina, pentoxifilina, dapsona e a talidomida. A maioria dos autores concorda que, se utilizadas na fase prodrômica, podem abortar a evolução das lesões, impedindo a transformação em úlcera.

Estas drogas podem ser usadas tanto tópica como sistemicamente. O tratamento sistêmico só deve ser empregado em pacientes com grandes lesões e com surtos freqüentes, optando-se pelo tratamento local na maioria dos casos7. A decisão sobre o tipo de tratamento a ser escolhido deve ser baseada em diversos aspectos, desde a gravidade das lesões, repercussões e estado geral do paciente, bem como pensar nas interações medicamentosas5.

Os corticóides são as drogas mais utilizadas localmente, sendo considerados como a pedra angular no tratamento da EAR8. Com o recurso da orabase, evita-se a dispersão da medicação, favorecendo a aderência do medicamento na mucosa. A dexametasona elixir também tem sido utilizada, principalmente em pacientes com múltiplas lesões. Pode ser ingerido após bochecho, o que facilita a utilização de um mesmo medicamento para uso tópico e sistêmico. A beclometasona spray pode ser útil para lesões no palato (duro e mole) e nos pilares das tonsilas palatinas. Uma outra forma de tratamento local é a injeção intralesional de triancinolona para tentar reduzir o tamanho da lesão e aliviar a dor. Esta modalidade foi utilizada com sucesso em pacientes com afta major5.

Quanto às medicações de uso sistêmico, os corticóides têm sido os mais empregados. A prednisona é bastante eficaz e segura, tanto em crianças como em adultos. Pode ser usada por 4 a 5 dias, na dose de 60 a 80 mg/dia com suspensão imediata ou por períodos maiores com suspensão gradual. No tratamento da estomatite erosiva severa, REYNAERS e DEGREEF9 utilizaram metilprednisolona na dose de 1mg/kg/dia para o controle da doença, embora não tenham referido qual o período do emprego desta droga. Os principais efeitos colaterais dos corticóides são agitação, irritabilidade, sangramento digestivo, retenção hídrica, osteoporose e alterações hormonais.

Outras drogas também são usadas. A dapsona, um tipo de sulfona, pode ser utilizada na dose de 100mg/dia por 3 a 6 meses10. A pentoxifilina é usada na dose de 400mg, 3 vezes ao dia. Já a colchicina é prescrita na dose de 0,5 a 2mg/dia.

No entanto, a talidomida tem sido relatada como a melhor droga no controle e profilaxia da EAR1,4,5,7,11. Esta droga foi empregada nas décadas de 1950 e 1960 como sedativo, uma vez que apresentava boa segurança e tolerabilidade. O mecanismo de ação parece estar envolvido na redução do fator de necrose tumoral alpha (TNF-a), pela aceleração da degradação do seu RNA-mensageiro12, além de modular as interleucinas13. Sua teratogenicidade e efeitos colaterais, como a neuropatia, fizeram com que sua utilização fosse suspensa por mais de 15 anos. Em 1979, começou a ser usada no tratamento da EAR na dose de 100 a 300mg/dia, com resultados animadores.

Conversão da úlcera em ferida

Isso pode ser realizado de diferentes formas. A utilização de cáusticos como o nitrato de prata, fenol ou o ácido tricloroacético tem sido reportada como opções de tratamento14. No entanto, a cauterização química ou térmica com laser são contra-indicadas por outros autores7, os quais argumentam que os cáusticos devem ser evitados pelo aumento de infecção bacteriana secundária e pela demora na cicatrização das lesões.

Tratamento paliativo

Diversas substâncias têm sido utilizadas no alívio dos sintomas. Bochechos com tetraciclina (na dose de 250mg em 10ml de água, 4 vezes ao dia) aliviam a dor5, abreviam a duração da lesão7, além de prevenir infecções secundárias1. Também se tem utilizado agentes protetores de mucosa como o leite de magnésia e os cianoacrilatos1. Estas drogas diminuiriam a sensação dolorosa. Outro protetor de mucosa que foi testado em estudo realizado na Itália foi o Sucralfate, com bons resultados15. Bochechos com clorhexedina a 2% parecem também prevenir infecções secundárias. O mecanismo de atuação destas substâncias se deve à formação de uma película protetora no fundo da úlcera, evitando traumas e aumento da dor. Bochechos com solução aquosa de novacaína a 1% para alívio da dor também têm sido descritos na literatura14.

Por fim, a utilização de drogas antivirais não se mostrou efetiva no tratamento da EAR5.

Discussão

O tratamento da EAR é um capítulo ainda controverso na literatura médica. Entre outros fatores, contribuem para isso a incerteza quanto ao mecanismo etiológico exato da doença e a ausência de estudos controlados para comparação entre as drogas utilizadas na terapêutica.

O consenso de que a talidomida seja a melhor droga na prevenção e tratamento da EAR ainda está por ser estabelecido. Sabe-se que o medicamento, por longo tempo proscrito do receituário médico por seus efeitos teratogênicos, tem ação efetiva no quadro de EAR, principalmente nos pacientes portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA).

Em nosso meio, a dapsona tem se mostrado bastante efetiva no controle da doença10. No entanto, como todas as outras terapêuticas propostas, há a necessidade de estudos comparativos duplo-cego para que se avalie melhor a eficácia relativa de cada uma delas.

Comentários Finais

A estomatite aftóide recorrente constitui-se em enfermidade bastante freqüente no dia-a-dia do otorrinolaringologista e de outros profissionais que se dedicam ao estudo da cavidade oral. Dessa forma, é essencial o conhecimento dessa doença, bem como a atualização quanto às novas tendências da terapêutica. Novas drogas e novas formas de utilizar antigas drogas estão constantemente surgindo, cabendo a nós o uso racional desses recursos.

Referências Bibliográficas

1. Ramos, E.; Silva, M. Estomatite aftosa recorrente - aftas. Dermatológica. 5 (19):14-6, 1996.

2. Eversole, L. R. Immunopathogenesis of oral lichen planus and recurrent aphthous stomatitis. Semin. Cutan. Med. Surg., 16 (4): 284-94, 1997.

3. Rogers, R. S. Recurrent aphthous stomatitis: clinical characteristics and associated systemic disorders. Semin. Cutan. Med. Surg., 16 (4,): 278-83, 1997.

4. Rees, T. D.; Binnie, W. H. Recurrent aphtous stomatitis. Dermatol. Clin., 14: 243-56, 1996.

5. Macphail, L. Topical and systemic therapy for recurrent aphthous stomatitis. Semin. Cutan. Med. Surg., 16 (4):301-7, 1997.

6. Burruano, F.; Tortorici, S. Major aphthous stomatitis (Sutton's disease): etiopathogenesis, histological and clinical aspects. Minerva Stomatol., 49 (1-2): 41-50, 2000.

7. Sampaio, S. A. P.; Rivitti, E. A. Dermatologia. ed. São Paulo, Artes Médicas, 1998, p.957-65.

8. Shashy, R. G.; Ridley, M. B. Aphthous ulcers: a difficult clinical entity. Am. J. Otolaryngol., 21 (6): 389-93, 2000.

9. Reynaers, A.; Degreef, H. Severe erosive stomatitis: association with immunological diseases? Dermetology, 194: 411-5, 1997.

10. Miziara, I. D.; Gondim, M.; Miniti, A. O uso da dapsona no tratamento da estomatite aftosa recidivante. Rev. Bras. Otorrinolaringol., 58: 96-8, 1992.

11. Stirling, D. I. Thalidomide and its impact in dermatology. Semin. Cutan. Med. Surg., 17 (4): 231-42, 1998.

12. Calabrese, L.; Fleischer, A. B. Thalidomide: current and potential clinical applications. Am. J. Med., 108 (6): 487-95, 2000.

13. Peuckmann, V.; Fisch, M.; Bruera, E. Potential novel uses of thalidomide: focus on palliative care. Drugs, 60 (2): 273-92, 2000.

14. Nassif Filho, A. C. N.; Bettega, S. G.; Lunedo, S.; Gortz, F.; Maestri, J. E.; Abicolaffe, M. D. Estomatite aftóide recidivante. Revisão e proposta de protocolo no seu atendimento. @rquivos Fundação Otorrinolaringologia, 3 (4): 172-6, 1999.

15. Campisi, G.; Spadari, F.; Salvato, A. Sucralfate in odontostomatology. Clinical experience. Minerva Stomatol., 46 (6): 297-305, 1997.

* Médico Colaborador da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. ** Professor Colaborador da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP. Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024