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788 
Ano: 2011  Vol. 15   Num. 3  - Jul/Set - (12º)
DOI: 10.1590/S1809-48722011000300012
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Seção: Original Article
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Teste SSW em escolares de 7 a 10 anos de dois distintos níveis socioeconômico-culturais
SSW test in school children aged between 7 and 10 from two dissimilar socioeconomic cultural backgrounds
Author(s):
Karine Thaís Becker 1, Maristela Julio Costa 2, Alexandre Hundertmarck Lessa 1, Angela Garcia Rossi 2.
Key words:
audição, fatores socioeconômicos, criança. hearing, socioeconomic factors, child.
Resumo:

Introdução: A audição envolve muito mais do que apenas a sensibilidade periférica. Para a interpretação dos sons é necessária a participação de uma série de habilidades auditivas. Sabe-se do importante papel de um ambiente estimulador para o desenvolvimento destas habilidades. Objetivo: estudar as habilidades auditivas avaliadas pelo Teste Dicótico de Dissílabos Alternados - SSW - em escolares de 7 a 10 anos, de diferentes níveis socioeconômico-culturais. Método: Estudo prospectivo, clínico e observacional. Participaram 51 crianças divididos em dois grupos de acordo com o nível socioeconômico-cultural. Assim, o Grupo 1 - G1 - (classe média-alta) ficou constituído por 23 crianças e o Grupo 2 - G2 - (classe média-baixa) por 28. Realizou-se a aplicação do teste SSW, sendo analisados os aspectos quantitativos: condições direita competitiva (DC) e esquerda competitiva (EC) e o total de acertos do teste, e os aspectos qualitativos: efeito de ordem (EO), efeito auditivo (EA), inversões e padrão Tipo A. Resultados: Aspectos quantitativos: houve diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados para o total de acertos do teste, mas para as condições DC e EC, não. Aspectos qualitativos: verificada diferença estatisticamente significante apenas para o EO. Embora a análise estatística não tenha verificado diferença significante para todas as variáveis estudadas, foi possível observar que em todas elas, o G1 apresentou resultados superiores. Conclusão: as habilidades auditivas avaliadas pelo teste SSW, em escolares de 7 a 10 anos, apresentaram escores superiores nas crianças de nível socioeconômico-cultural médio-alto em relação às de nível médio-baixo.

Abstract:

Introduction: Hearing comprises a lot more than just a peripheral sensitivity. To interpret such sounds, the participation of wide-ranging hearing abilities is necessary. It is known that a motivating environment plays a key role to develop these abilities. Objective: study the hearing abilities evaluated by the Staggered Spondaic Word test - SSW - in school children aged between 7 and 10 from dissimilar socioeconomic and cultural backgrounds. Method: A prospective, clinical and watching study. 51 children participated in this study and were divided into two groups in accordance with their socioeconomic and cultural backgrounds. Accordingly, Group 1 - G1 - (medium-high class) was comprised of 23 children and Group 2 - G2 - (medium-low class) had 28 children. SSW test was performed by analyzing both quantitative features: competitive right (CR) and competitive left (CL) conditions and the total of right answers in the test, and qualitative features: order effect (OE), hearing effect (HE), inversions and A-type standard. Results: Quantitative features: a statistically significant difference was found between the studied groups regarding the total of right answers in the test, but not in relation to CR and CL. Qualitative features: a statistically significant difference was noticed for the OE only. Although the statistical analysis has not found a significant difference for all the studied variants, it was possible to observe that G1 had higher results for all of them. Conclusion: the hearing abilities evaluated by the SSW test in school children aged between 7 and 10 showed higher scores in children with a medium-high socioeconomic and cultural backgrounds in comparison with those of medium-low socioeconomic and cultural backgrounds.

INTRODUÇÃO

Quando o som é captado pela orelha externa, é detectado pela orelha interna e, em seguida, passa por inúmeros processos cognitivos e fisiológicos para que ocorra a decodificação e compreensão do mesmo (1).

Este sistema é desafiado pela tarefa de codificação precisa do som de entrada. A informação auditiva sobe, a partir da cóclea, ao longo de vias paralelas, fazendo sinapse em várias estruturas em sua rota até o córtex (2). Essas estruturas, juntamente com o córtex auditivo, são responsáveis pelos mecanismos fisiológicos auditivos. A cada um destes mecanismos, são associadas determinadas habilidades, que serão mais específicas quanto mais for necessário detalhar o tipo do estímulo sonoro (3). O processamento auditivo se refere, então, à eficácia e à eficiência com que o sistema nervoso central utiliza a informação auditiva (4).

Portanto, a audição faz parte de um sistema especializado de comunicação, envolvendo muito mais do que apenas a sensibilidade periférica. Este intrincado sentido envolve a participação de redes neuronais complexas e de funções mentais superiores na interpretação de sons verbais e não verbais (5).

Dessa forma, compreender as competências, capacidades ou habilidades em lidar com sons é possível observando-se os comportamentos reativos de crianças e adultos nas tarefas de detectar, discriminar, reconhecer e compreender o estímulo sonoro (3,6).

Testes especiais foram desenvolvidos para avaliar as habilidades auditivas específicas, associadas ou não às alterações na comunicação, com a finalidade de identificar um distúrbio do processamento auditivo (7). Um dos testes específicos que utiliza a tarefa de audição dicótica é o Teste Dicótico de Dissílabos Alternados, ou o SSW (Staggered Spondaic Word Test), em português brasileiro adaptado por Borges (1986) (8).

O SSW trata-se de uma ferramenta importante para avaliar o processo de audição dicótica. Assim, conhecer como este procedimento pode auxiliar a compreender o aprendizado perceptual da fala torna-se importante na intervenção fonoaudiológica (7), já que pode existir co-ocorrência entre distúrbios do processamento auditivo e alterações na fala, no aprendizado, dificuldades de leitura e escrita (9,10).

Sabe-se da importância de um ambiente estimulador para o correto desenvolvimento do sistema auditivo e de suas habilidades. Um dos fatores que influencia fortemente as experiências e a consequente estimulação cognitiva de um indivíduo, desde a infância até a vida adulta, é o status socioeconômico (11). A estimulação inadequada, gerada por influências socioeconômicas e pelo nível educacional da família, pode contribuir para atrasos no desenvolvimento global da criança, restringindo a aquisição de habilidades motoras, de linguagem e de cognição (12).

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi estudar as habilidades auditivas avaliadas pelo Teste Dicótico de Dissílabos Alternados - SSW - em escolares de 7 a 10 anos, de diferentes níveis socioeconômico-culturais.


MÉTODO

A pesquisa faz parte do projeto "Pesquisa e Base de Dados em Saúde Auditiva", registrado no Gabinete de Projetos sob o nº 019731 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com certificado de nº 0138.0.243.000-06, em 05/12/2006. Foi realizada no Ambulatório de Audiologia do Serviço de Atendimento Fonoaudiológico (SAF) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no período compreendido entre novembro de 2009 e outubro de 2010, sendo caracterizada como quantitativa, transversal, prospectiva e contemporânea.

Foram avaliadas 51 crianças, com idades entre 7 anos e 10 anos e 11 meses, procedentes de escolas particulares e de escolas públicas e/ou entidades filantrópicas, as quais atendem crianças carentes, da cidade de Santa Maria / RS. A autorização das escolas foi solicitada por meio do Termo de Autorização Institucional.

Os indivíduos, bem como seus pais e/ou responsáveis, foram informados sobre os objetivos, procedimentos, riscos e benefícios. Foram avaliadas somente as crianças que consentiram em participar da pesquisa e que tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais e/ou responsáveis.

Foram utilizados como critérios de seleção os seguintes aspectos: limiares auditivos tonais da via aérea até 25 dB nas frequências de 500 a 4000 Hz em ambas as orelhas (13); Limiar de Reconhecimento de Fala (LRF) 6 dB acima ou abaixo da média dos limiares tonais de 500, 1000 e 2000 Hz (14); Timpanograma Tipo A (15) e reflexos acústicos presentes (16); além de ausência de problemas neurológicos, cognitivos, psicológicos e de hiperatividade conhecidos, assim como de alterações articulatórias e/ou fonológicas que pudessem interferir na repetição dos estímulos de fala. A ausência de alterações articulatórias e/ou fonológicas foi analisada mediante avaliação observacional durante a fala espontânea da criança antes do início dos testes.

Primeiramente, os pais e/ou responsáveis das crianças responderam a uma anamnese, aplicada pela pesquisadora, que forneceu informações sobre queixas audiológicas presentes no momento da avaliação, escolaridade, atividades extra-escolares e hábitos de vida. Após a anamnese, as crianças passaram pela inspeção visual do meato acústico externo e pela obtenção dos limiares auditivos, do LRF e das medidas de imitância acústica (MIA).

As avaliações ocorreram em cabine acusticamente tratada, utilizando um audiômetro digital de dois canais, marca Fonix - Hearing Evaluator - modelo FA - 12, tipo I e fones auriculares tipo TDH-39P, marca Telephonics. Para a obtenção das MIA utilizou-se o analisador de orelha média da marca Interacoustic, modelo AZ7, fone auricular da marca Telephonics, modelo TDH-39P e coxim MX-41 e sonda de 220 Hz a 70 dB NPS.

Os pais e/ou responsáveis das crianças preencheram, ainda, um questionário socioeconômico composto por duas questões gerais, a primeira referente a itens que possuem em sua residência e a segunda, referente ao grau de instrução do chefe da família. Esse questionário faz parte do Critério de Classificação Econômica do Brasil da Associa¬ção Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP (2008) (17), o qual estima o poder de compra das famílias.

Para a análise do questionário, foi utilizado o sistema de pontuação para os itens de cada questão, descritas pela ABEP. Ao final, foi feito um somatório e obteve-se o nível socioeconômico de cada criança. As classificações do questionário são: classe A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E.

Não houve nenhuma criança, neste estudo, classificada na classe A1, nem na classe E. Todas as crianças das escolas particulares foram classificadas nas classes A2, B1 ou B2, tendo sido agrupadas, portanto, no Grupo 1 (G1). As crianças das escolas públicas e entidades filantrópicas foram classificadas nas classes C1, C2 ou D, e então agrupadas no Grupo 2 (G2).

A classificação sugerida pela ABEP não se utiliza de nomenclatura para cada classe. No intuito de auxiliar na clareza textual, para e denominação dos grupos 1 e 2 foram utilizados os termos nível socioeconômico médio-alto e nível socioeconômico médio-baixo, respectivamente.

Além da questão socioeconômica, foram levadas em conta também as atividades extra-escolares realizadas pelas crianças, as atividades de lazer da família, bem como a realização de cursos de língua estrangeira, de música (tocar algum instrumento musical) e acesso a computador e/ou internet.

Após o levantamento dos dados da anamnese, percebeu-se que as crianças classificadas no G1 apresentaram grande quantidade e diversidade de atividades extra-escolares e de lazer, realizavam cursos de língua estrangeira e/ou de música e tinham acesso a computador e/ou internet. Já as crianças classificadas no G2 apresentaram atividades que se resumiram a passeios e atividades oferecidas pela própria escola, nenhuma fazia curso de língua estrangeira, apenas uma tocava algum instrumento musical e aqueles que tinham acesso a computador e/ou internet faziam-no na casa de parentes.

Em vista de tais observações, achou-se importante à inclusão do termo cultural na denominação dos grupos. Acredita-se que as diferentes atividades realizadas pelas crianças podem interferir no seu desenvolvimento, sendo que as atividades mais diversificadas e o acesso às diferentes tecnologias podem contribuir de forma positiva para o desenvolvimento desses sujeitos.

Dessa forma, os grupos foram assim denominados e constituídos:

-G1 - nível socioeconômico-cultural médio-alto: 23 crianças.

-G2 - nível socioeconômico-cultural médio-baixo: 28 crianças.

Posteriormente, foi aplicado o Teste Dicótico de Dissílabos Alternados - SSW.

Teste Dicótico de Dissílabos Alternados - SSW

O teste, criado por KATZ em 1962 (18) e adaptado para o português por BORGES em 1986 (8), foi aplicado na versão proposta por PEREIRA e SCHOCHAT (1997) (19). Consiste na apresentação de 40 sequências de quatro palavras cada, apresentadas ao paciente 50 dB NA acima da média tritonal das frequências de 500, 1000 e 2000 Hz. Essas palavras são paroxítonas dissilábicas, extraídas do português brasileiro.

O teste SSW é um procedimento desenvolvido como forma de avaliação da integridade central. Foi apresentado utilizando-se um Compact Disc Player Digital Toshiba - 4149, acoplado ao audiômetro acima descrito.

Utiliza estímulos dicóticos e a apresentação das sequências ocorre da seguinte forma: a primeira palavra é apresentada à orelha direita sem mensagem competitiva (orelha direita não competitiva - DNC), duas palavras são apresentadas simultaneamente nas duas orelhas (orelha direita competitiva - DC e orelha esquerda competitiva - EC) e a última palavra é apresentada, sem mensagem competitiva, na orelha esquerda (orelha esquerda não competitiva - ENC).

Antes do início da aplicação do teste, a criança foi orientada sobre a tarefa a ser executada. A tarefa da criança foi reconhecer e repetir em voz alta as sequências de quatro palavras que foram apresentadas.

As respostas das 160 palavras foram analisadas individualmente, sendo consideradas como certas ou erradas. Foram considerados erros: omissão, substituição ou distorção da palavra a ser repetida. A inversão da ordem das palavras de cada sequência também foi considerada, porém não como erro.

Os resultados do teste SSW permitem uma análise quantitativa, relativa à condição de escuta, e uma análise qualitativa, relativa aos tipos de erro verificados. Por meio da análise quantitativa avaliam-se as habilidades auditivas de figura-fundo para sons verbais e por meio da análise qualitativa avalia-se a habilidade de ordenação temporal de sons, entre outras (7).

Para a presente pesquisa, foram analisadas as condições DC, EC e o total de acertos do teste, referentes aos aspectos quantitativos, e o efeito de ordem (EO), o efeito auditivo (EA), as inversões e o Tipo A, referentes aos aspectos qualitativos.

Para os aspectos qualitativos foi realizada uma categorização do tipo de erros quando estes ocorreram fora da faixa de variação do limite esperado (20). Assim, quando se encontra um EA alto-baixo e/ou EO baixo-alto categoriza-se como uma decodificação fonêmica; quando ocorre EA baixo-alto e/ou EO alto-baixo categoriza-se como perda gradual de memória; quando o número de inversões ocorre acima do esperado categoriza-se como organização e quando o Tipo A está presente, considera-se integração.

Para a categorização de desempenho normal ou alterado no teste SSW foram considerados os valores de referência por faixa etária (21).

Análise dos dados

Realizou-se a análise descritiva dos valores, para a qual utilizou-se o cálculo da média aritmética, do desvio padrão e dos pontos máximo e mínimo das variáveis em questão.

Para a comparação das variáveis quantitativas entre os dois grupos estudados, foi utilizado o Teste Não Paramétrico U de Mann-Whitney, por tratar-se de dois grupos independentes. Já para a análise das variáveis qualitativas, foi aplicado o teste de independência do Qui-quadrado.

Foi considerado nível de significância estatística de p < 0,05 (5%).

Os resultados estatisticamente significantes foram assinalados com um asterisco (*) nas tabelas que seguem.


RESULTADOS

Na Tabela 1 estão expostos os resultados das médias, valores mínimo e máximo, desvios-padrão (DP) e a análise estatística em função das condições direita competitiva (DC), esquerda competitiva (EC) e o Total de acertos, na comparação dos grupos 1 (G1) e 2 (G2).

Na Tabela 2 pode-se observar a distribuição do número de crianças que não apresentaram alterações na variável quantitativa, bem como aquelas que se apresentaram fora do esperado nas condições DC e EC, de ambos os grupos.

Na Tabela 3 estão expostos os resultados encontrados para a variável qualitativa, realizada de acordo com as tendências de respostas - EO, EA, inversões e Tipo A - em função do número de crianças com resultados típicos e com alteração de cada grupo.

Na Tabela 4 está exposta a categorização do tipo de erro conforme a ocorrência do EO, do EA, de inversões e do Tipo A.



Legenda: DC - direita competitiva; EC - esquerda competitiva; DP - desvio padrão, P - valor de p.




Legenda: DC - direita competitiva; EC - esquerda competitiva.




Legenda: EO: Efeito de ordem; EA: Efeito Auditivo.




Legenda: EA - efeito auditivo; EO - efeito de ordem.




DISCUSSÃO

Esta pesquisa, conforme os objetivos anteriormente descritos, estudou as habilidades auditivas avaliadas pelo teste SSW em escolares de diferentes níveis socioeconômico-culturais.

Para a primeira análise, referente aos aspectos quantitativos, realizou-se um estudo estatístico a fim de verificar diferenças entre os dois grupos estudados (G1 e G2) nas condições direita competitiva (DC) e esquerda competitiva (EC) e no total de acertos (Tabela 1). A análise mostrou diferença estatisticamente significante para o total de acertos do teste, mas para as condições DC e EC, não.

Embora não tenha ocorrido diferença estatisticamente significante entre os grupos nas condições DC e EC, verificou-se que os resultados médios, bem como os valores máximo e mínimo das crianças de nível socioeconômico-cultural médio-alto foram superiores aos das crianças de nível médio-baixo.

É possível que a ocorrência de diferença estatisticamente significante no total de acertos tenha se dado devido à participação das condições não competitivas em sua análise, as quais normalmente apresentam melhores escores em comparação com as condições competitivas (22). Isso evidencia que no escore total do teste, as crianças do G1 apresentaram resultados superiores em relação ao G2.

Foi verificado, também, de acordo com a Tabela 1, que os resultados médios estão abaixo dos padrões de normalidade esperados, tanto para o G1 quanto para o G2, sendo que o G1 está aquém dos resultados encontrados para os grupos controle de alguns estudos (23, 24, 25) e os resultados do G2 estão próximos dos encontrados para crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem (25).

Conforme os dados expostos na Tabela 2, pode-se verificar que em ambos os grupos poucas crianças apresentaram resultados sem alteração nas condições DC e EC. A grande maioria apresentou alteração em ambas as condições. Dentre aquelas que tiveram alteração em apenas uma condição, prevaleceu a DC. Apesar de ser observado incidência de crianças com alteração em ambos os grupos, essa incidência foi mais elevada no G2.

Foi verificado, ainda, que ambos os grupos apresentaram porcentagem de acertos maior na condição DC (G1: 74,7% e G2: 66,7%) em relação à EC (G1: 73,4% e G2: 64,7%). Este achado corrobora os encontrados pela literatura (7, 26), os quais demonstraram a superioridade da orelha direita em crianças para o teste SSW.

Na segunda análise, referente aos aspectos qualitativos, foi verificada a tendência de respostas do teste (EO, EA, inversões e Tipo A), em função do número de crianças com resultados típicos e com alteração (Tabela 3). A análise verificou diferença estatisticamente significante apenas para o EO.

Porém, da mesma forma que na análise quantitativa, foi possível verificar que nas quatro condições analisadas, o número de crianças com alteração foi superior no G2 em relação ao G1, conforme pode ser observado na Tabela 3.

Foi realizada também a análise descritiva da variável qualitativa (tendência de respostas) e posteriormente realizada a categorização, de acordo com a proposta de KATZ e IVEY (1994) (20), conforme a Tabela 4.

A alteração na categoria de decodificação fonêmica evidencia problemas de processamento em nível fonêmico. Estas crianças geralmente tem a habilidade fonêmica pobre e dificuldade de leitura e soletração. Pode haver ainda histórico de problemas na fala nos primeiros anos escolares (27, 28). No G1, 5 (21,7%) crianças demonstraram alteração nesta categoria, enquanto que no G2, o número de crianças com alteração aumentou para 10 (35,8%).

A categoria de perda gradual de memória refere-se a duas características importantes: dificuldade para ignorar o ruído de fundo, como para a memória imediata. O desempenho acadêmico não é tão defasado quanto nos indivíduos com problemas de decodificação (27, 28). No presente estudo, verificou-se 8 (34,8%) crianças do G1 contra 16 (57,2%) crianças do G2 classificados nesta categoria.

Aquelas crianças que se enquadram na categoria de organização apresentam grande dificuldade para organizar a informação em sequência. Dessa forma, a ortografia pode ser afetada, especialmente pela inversão da ordem das letras (27, 28). No G1, 7 (30,5%) crianças foram classificadas nesta categoria e no G2, 11 (39,3%).

Quando o problema encontra-se na categoria de integração, o indivíduo pode ser classificado em dois subtipos de problemas. Um diz respeito a dificuldades de integração auditivo-visual e distúrbios de leitura e soletração severos, com grande deficiência em fonética. O outro subtipo é menos severo e o seu desempenho é semelhante aos indivíduos que apresentam perda gradual de memória (27, 28). Aqui, foram detectadas apenas 3 (13%) crianças do G1 com alteração nesta categoria e 9 (32,2%) do G2.

Dessa forma, de acordo com a categorização das crianças dos G1 e G2 verificada neste estudo, pode-se afirmar que há um maior número de crianças do nível socioeconômico-cultural médio-baixo que evidenciaram problemas nas categorias apresentadas. De forma geral, estes resultados sugerem, consequentemente, maior defasagem escolar neste grupo.

O tipo de disfunção que mais ocorreu, diferentemente da literatura compulsada que verificou a maior ocorrência da categoria de decodificação (7, 9, 19, 29), foi a perda gradual de memória, tanto no G1 quanto no G2. Ou seja, a maior dificuldade destas crianças está na habilidade auditiva de figura-fundo e memória. As dificuldades relacionadas à capacidade de extrair pistas acústicas da informação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos e/ou memória de curto prazo influenciam na habilidade da criança em focar a atenção em determinadas tarefas (30).

É importante mencionar, ainda, que as categorias não são mutuamente exclusivas. Um mesmo indivíduo pode ser classificado em mais de uma categoria.

No G1, das 23 crianças avaliadas, 9 (39,1%) não foram classificadas em nenhuma categoria; 11 (47,8%) foram classificadas em uma; duas (8,7%) crianças em duas categorias e apenas uma criança (4,5%) foi classificada em 3 categorias.

Enquanto no G2, das 28 crianças, somente 3 (10,7%) não tiveram classificação quanto à categorização; 13 (46,4%) crianças foram classificadas em uma; 6 (21,4%) em duas categorias e duas (21,4%) crianças em 3 categorias.

Assim, no G1, 13,2% das crianças apresentaram alteração em mais de uma categoria, enquanto que no G2, 42,8% das crianças apresentaram essa condição.

Portanto, os resultados mostram que em ambos os grupos houve crianças com alterações nos aspectos quantitativos e qualitativos do teste SSW. O fato de as crianças do G1 terem apresentado índice de alteração acima do esperado, tendo em vista a vantagem de um ambiente rico em estímulos para o desenvolvimento auditivo, pode ser explicado pela interferência de outros fatores que influenciam os resultados deste teste, como a atenção, o nível intelectual e a carga linguística.

Além disso, quando se avaliam habilidades interligadas de funções cognitivas, como é o caso das habilidades auditivas, diversos fatores podem interferir nos resultados, tornando a variação de suas respostas algo esperado (31). A literatura destaca ainda que, apesar de alguns resultados nos testes de processamento auditivo de crianças parecerem expressivos, frequentemente há uma grande variabilidade entre os testes e os indivíduos, o que torna a sua interpretação difícil (32).

Não foram encontrados na literatura estudos específicos que comparassem os resultados do teste SSW em crianças de diferentes níveis socioeconômicos. Porém, utilizando diferentes testes e metodologias, alguns pesquisadores encontraram diferenças quanto às habilidades auditivas, entre elas as habilidades de reconhecimento, localização, discriminação e memória sequencial de sons verbais e não-verbais (33), atenção seletiva (34, 35), reconhecimento de fala no ruído (36) e resolução temporal (5). Todos evidenciaram pior desempenho nas crianças de nível médio-baixo, concluindo que o nível socioeconômico-cultural interfere negativamente no desenvolvimento do processamento auditivo.

Sabe-se que o processamento auditivo tem papel fundamental no desenvolvimento da fala e da linguagem. Apesar de serem entidades clínicas distintas, podem coexistir (37). O prejuízo das habilidades auditivas está relacionado a alterações de fala, leitura e escrita, mau desempenho escolar e social (38).

Em todas as condições de análise do teste SSW: condições DC e EC e variáveis qualitativas de acordo com a tendência de respostas - EO, EA, inversões e Tipo A - verificou-se respostas melhores e superiores no G1, porém houve diferença estatisticamente significante apenas para o total de acertos e do EO.


CONCLUSÃO

A partir da análise e discussão dos resultados obtidos, verificou-se que as habilidades auditivas avaliadas pelo teste SSW, em escolares de 7 a 10 anos, apresentaram escores inferiores nas crianças de nível socioeconômico-cultural médio-baixo em relação às de nível médio-alto.

Dessa forma, os resultados sugerem que as crianças de nível socioeconômico-cultural médio-baixo possuem maior defasagem das habilidades auditivas avaliadas, principalmente da perda gradual de memória, sendo, portanto, mais suscetíveis a alterações de fala e dificuldades de aprendizagem.


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1) Graduação. Fonoaudióloga.
2) Doutora. Professora na Universidade Federal de Santa Maria.

Instituição: Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria / RS - Brasil. Endereço para correspondência: Karine Thaís Becker - Rua Pedro Santini, 177 - Apto. 109/C - Nossa Senhora de Lourdes - Santa Maria / RS - Brasil - CEP: 97060-480 - Telefone: (+55 55) 8406-3292 / 3317-0010 - E-mail: katthais@hotmail.com

Artigo recebido em 25 de Abril de 2011. Artigo aprovado em 15 de Maio de 2011.
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