1ª Revista Eletrônica
de ORL do mundo

ISSN 1516-1528
 
531 

Ano: 2008  Vol. 12   Num. 2  - Abr/Jun - (22º)
Seção: Relato de Caso
 
Aplasia ou Hipoplasia do Nervo Vestíbulo-coclear em uma Criança com Surdez Sensório-neural
Aplasia or Hypoplasia of the Vestibulocochlear Nerve in a Infant with Sensorineural Hearing Loss
Autor(es):
Sérgio Ramos1, Rosangela Faria Ramos2, Henrique Faria Ramos3, Rodrigo de Melo Baptista4, Bernardo Faria Ramos5
Unitermos: Key words:
surdez, malformação, sistema nervoso central, implante coclear hearing loss, central nervous system, malformation, cochlear implant
Resumo:

Introdução: A aplasia ou hipoplasia do nervo vestíbulo-coclear é uma das causas de perda auditiva sensório-neural e de surdez congênita. Este diagnóstico é importante no pré-operatório dos candidatos à cirurgia do implante coclear, tornando-se uma das contra-indicações do procedimento, sendo então indicado o implante no tronco cerebral. Objetivo: Relatar um caso de perda auditiva sensório-neural com diagnóstico etiológico definido. Relato do Caso: Apresentamos o caso de uma criança do sexo feminino, raça branca, 11 anos de idade em que a queixa da família é desatenção e dislalia, parecendo apresentar audição flutuante. O exame audiométrico mostrou restos auditivos na orelha esquerda e disacusia sensório-neural moderada nas freqüências altas na orelha direita. A Tomografia Computadorizada dos Ossos Temporais mostrou aparente atresia ou redução significativa da amplitude do forame coclear no lado esquerdo e forame coclear direito normal. A Ressonância Nuclear Magnética do Crânio evidenciou o oitavo nervo craniano esquerdo com calibre menor que o direito e a divisão coclear não foi identificada. Discussão: Nas crianças com perda auditiva sensório-neural é importante se tentar fazer o diagnóstico etiológico porque as condutas podem ser diferentes quando se trata de uma malformação. Comentários finais: Esta apresentação se deve ao fato de se ter um diagnóstico de uma entidade rara na perda auditiva sensórioneural, que poderia ser concluída como uma perda idiopática e ressalta a importância da indicação tanto da Tomografia Computadorizada quanto da Ressonância Magnética nos casos de perdas auditivas sensório-neural.

Abstract:

Introduction: The aplasia or hypoplasia of the vestibulocochlear nerve is one of the causes of sensorineural and congenital hearing loss. Their diagnosis is important to candidates for cochlear implant, for being a contraindication for such procedure, by this matter they are suitable for the brainstem implant. Objetive: To present a case of sensorineural hearing loss with definite ethiologic diagnosis. Case Report: A 11-year-old female patient, Caucasian, whose family complained of her being disattention and dyslalia, by apparently presenting floating hearing. The audiometry presented lack of hearing in the left ear and moderate sensorineural hearing loss in high frequencies in the right ear. CT of the Temporal Bone showed aparent atresia or significant stenosis of the left cochlear foramen and normal right cochlear foramen. The MRI demonstrated that the left eighth cranial nerve had smaller caliber than the right one and cochlear division was not identified. Discussion: It is important to find etiology in children with sensorineural hearing loss, once procedures might differ when regarding malformation. Conclusion: The objective of this presentation comes to the fact of a rare diagnosis of sensorineural hearing loss, that somehow could be concluded as an idiopathic hearing loss and also it reassures the importance of CT and MRI exam for sensorineural hearing loss.

INTRODUÇÃO

A aplasia ou hipoplasia do nervo vestíbulo-coclear é uma das causas de perda auditiva sensório-neural e de surdez congênita. O diagnóstico da aplasia ou hipoplasia do nervo vestíbulo-coclear passou a ser importante, apesar da raridade, no pré-operatório dos candidatos à cirurgia do implante coclear. É uma das contra-indicações da cirurgia, juntamente com a do estreitamento do meato acústico interno (1), e nestes casos a cirurgia viável é a do implante no tronco cerebral. Os recentes avanços de imagenologia possibilitaram a definição detalhada das estruturas anatômicas do meato acústico interno quando faz um contraste preciso entre os ramos nervosos e o líquido céfalo-raquídeano (2).


RELATO DO CASO

Trata-se da apresentação de um caso de uma criança do sexo feminino, da raça branca, com onze anos de idade em que a queixa da família é a desatenção e a dislalia, e a criança parece apresentar também uma audição flutuante. É portadora de epilepsia e usa Valproato. O exame audiométrico mostrou restos auditivos na orelha esquerda e disacusia sensório-neural moderada nas freqüências altas na orelha direita (Figura 1). Submetida ao exame de Tomografia Computadorizada dos Ossos Temporais observou-se aparente atresia ou redução significativa da amplitude do forame coclear esquerdo e o forame coclear direito normal (Figura 2). O vestíbulo e os canais semicirculares são normais em ambos os lados, bem como os aquedutos cocleares e vestibulares. Na Ressonância Nuclear Magnética do crânio o oitavo nervo craniano esquerdo tem o calibre menor que o direito e a divisão coclear não é identificada (Figuras 3 e 4). Observa-se também discreta hipoplasia do modíolo esquerdo, não sendo identificado o forame coclear e é evidente a redução do diâmetro transverso da cóclea com indefinição das escalas cocleares da segunda e terceira espiras. O oitavo nervo direito e o nervo facial direito apresentam trajetos e calibres normais.


Figura 1. Audiometria.


Figura 2. Tomografia Computadorizada de ossos temporais observando-se aparente atresia ou redução significativa da amplitude do forame coclear no lado esquerdo e forame coclear direito normal.


Figura 3. Ressonância Nuclear Magnética das orelhas seqüência 3 D Fiesta de alta resolução: oitavo nervo craniano esquerdo apresenta calibre menor do que o direito e a divisão coclear não é identificada.


Figura 4. Ressonância Nuclear Magnética seqüência 3 D Fiesta: reconstrução sagital.



DISCUSSÃO

Nas crianças com perda auditiva sensório-neural é importante a procura do diagnóstico etiológico, porque as condutas podem ser diferentes quando se trata de uma mal-formação. A Tomografia Computadorizada mostra o labirinto ósseo e a Ressonância Nuclear Magnética a anatomia do labirinto membranoso e ressalta suas relações anatômicas dando ênfase às possíveis anormalidades dos três ramos do nervo vestíbulo-coclear.

A aplasia do nervo vestíbulo-coclear e a aplasia ou hipoplasia do seu ramo coclear podem ocorrer isoladamente ou em associação com a estenose do meato acústico interno e/ou mal-formação labiríntica. O desenvolvimento da cóclea humana se inicia com o aparecimento da placa ótica na terceira semana de vida embrionária. A placa ótica transforma-se na vesícula ótica dando origem ao duto endolinfático, ao utrículo, ao sáculo, aos canais semicirculares e à cóclea. Na nona semana as espiras cocleares estão totalmente formadas e começa aparecer o epitélio neural. Os neuroblastos do gânglio coclear se separam do epitélio ótico e as fibras dos corpos celulares desse gânglio crescem da periferia para dentro do epitélio ótico e para dentro do tronco encefálico (3).

A aplasia ou hipoplasia do nervo vestíbulo-coclear já foi objeto de suspeição nos casos de insucesso de implante coclear em que não havia resposta ao estímulo elétrico e em crianças com estreitamento acentuado do meato acústico interno. Em uma série de oito crianças submetidas à cirurgia do implante coclear e que apresentavam um diâmetro do meato acústico interno de a 1 a 2 mm, três delas não obtiveram sensação de som após a cirurgia, e os achados anatômicos do estreitamento detectados na Tomografia Computadorizada de Alta Resolução, representaria a aplasia do nervo (1). Se o diâmetro do meato acústico interno for inferior a 1,4 mm deve ser considerada a possibilidade de uma anomalia do nervo coclear e se o diâmetro for maior que 3,0 mm devem coexistir outras anomalias (4). Estudos histopatológicos de ossos temporais sugerem também que a cóclea bem formada e um órgão de Corti aparentemente normal coexistem mesmo na ausência do gânglio espiral e do nervo coclear e até mesmo quando o meato acústico interno tem um calibre normal (5).

A aplasia ou hipoplasia do nervo vestíbulo-coclear, sendo uma das possibilidades etiológicas da perda auditiva sensório-neural e da perda auditiva congênita, pode ser diagnosticada através da Ressonância Nuclear Magnética de cortes finos (submilimétricos) do meato acústico interno. Baseado nos achados clínicos, na Ressonância Nuclear Magnética e nas considerações embriológicas, sugere-se três tipos de classificação (2): Tipo 1 aplasia do nervo vestíbulo-coclear associada a estenose do meato acústico interno; Tipo 2: tronco do nervo vestíbulo-coclear com aplasia ou hipoplasia do ramo coclear com (com tipo 2A) ou sem (tipo 2B) mal-formação labiríntica; Tipo 3: tronco do nervo vestíbulo-coclear com aplasia ou hipoplasia dos ramos vestibulares (tipo hipotético que não foi ainda relatado).

A ausência ou a diminuição do calibre do nervo coclear pode ser bem determinada pela imagem da Ressonância Nuclear Magnética de alta resolução, sendo de muita importância no diagnóstico e nas estratégias de tratamento da perda auditiva sensório-neural, sobretudo naquelas congênitas e na indicação do implante coclear. A Ressonância Nuclear Magnética de Alta Resolução na seqüência ponderada em T2 produz uma excelente imagem do segmento cisternal e intracanalicular do nervo facial e das três divisões do nervo vestíbulo-coclear: o vestibular superior, o vestibular inferior e o coclear (6).

No caso relatado, a paciente apresenta surdez sensório-neural profunda na orelha esquerda e uma perda sensório-neural nas freqüências altas na orelha direita, e desse lado a causa não foi identificada. Por apresentar uma audição social dentro dos parâmetros da normalidade na orelha direita, o diagnóstico foi tardio em relação aos restos auditivos do lado esquerdo, e só em um exame audiológico específico foi determinada a perda profunda da audição.

Os estudos epidemiológicos sugerem que um terço das causas das perdas auditivas seja hereditária, um terço seja adquirida e a restante é idiopática (7).


COMENTÁRIOS FINAIS

A apresentação desse caso clínico se deve ao fato de se ter um diagnóstico de uma entidade rara na perda auditiva sensório-neural, que poderia ser concluída como uma perda idiopática, e é ressaltada a importância da indicação tanto da Tomografia Computadorizada quanto do exame da Ressonância Nuclear Magnética nos casos de perdas auditivas sensório-neural. A cirurgia do implante coclear não está indicada porque a paciente apresenta uma audição contra-lateral suficiente para uma boa comunicação.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Shelton C, Luxford WM, Tonokava LL, Lo WW, House WF. The narrrow internal auditory canal in children: a containdication to cochlear implants. Otolaryngol Head Neck Surg. 1989, Mar, 100(3):227-31.

2. Casselmann FE, Offeciers FE, Govaerts PJ, Kuhweide R, Geldof H, Somers T, D"Hont G. Aplasia and hypoplasia of the vestibulocochlear nerve. Diagnosis with MR imaging. Radiology. 1997, 204:773-781.

3. Hemond G, Delanty FJ. Formation of the cochlea in the chicken embryo: sequence of innervation and localization of basal lamina - associated molecules. Brain Res Dev Brain Res. 1991, 61:87-9.

4. Stjernholm C, Muren C. Dimensions of the cochlear nerve canal: a radioanatomic investigation. Acta otolaryngol. 2002, Jan, 122(1):43-8.

5. Nelson EG, Hinojosa R. Aplasia of the cochlear nerve: a temporal bone study. Otol Neurotol. 2001, Nov, 22(6):790-5.

6. Glastonbury CM, Davidson HC, Harnsberger HR, Butler J, Kertesz TR, Shelton C. Imaging finding of cochlear nerve deficiency. American Journal of Neuroradiology. 2002, Apr, 23:635-43.

7. Grundfast KM. Hearingo loss. In: Bluestone CD, Stool SE, Kenna MA e cols. Pediatric Otolaryngology 3rd edition. Philadelphia. WB Saunders Company; 1996, pp. 249-311.











1. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - Unifesp. Professor Associado Doutor do Departamento de Medicina Especializada (Disciplina de Otorrinolaringologia) do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
2. Mestra em Otorrinolaringologia e Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp - Escola Paulista de Medicina. Médica Otorrinolaringologista em Vitória / ES.
3. Médico Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Residente da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP.
4. Médico Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Médico Radiologista da Multiscan, Vitória, ES.
5. Acadêmico de Medicina. Monitor de Técnica Operatória da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória / ES, EMESCAM.

Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário "Cassiano Antonio de Moraes" da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória / ES - Brasil.

Endereço para correspondência:
Sergio Ramos
Avenida Saturnino de Brito, 256 - Enseada do Suá
Vitória / ES - CEP: 29050-385
Fax: (27) 3345-0195 - Email: sramos.gaz@terra.com.br

Artigo recebido em 19 de junho de 2007.
Artigo aceito em 8 de novembro de 2007.
 
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